Que Futuro para o Comboio Internacional Celta – Porto – Vigo

Ago 31, 2025

Texto de Engº. André Lousinha

No dia 6 de agosto de 2025 completaram-se 143 anos de operação ferroviária na atual Linha do Minho (Porto – Valença), cujo projeto original, da autoria do Engenheiro Brito Taborda 1882, ficou concluído a 6 de agosto de 1882, com a chegada da ligação ferroviária a Valença.

A ligação internacional a Espanha concretizou-se quatro anos depois, devido a atrasos na construção da ponte sobre o rio Minho e às reservas das autoridades em relação à ligação à Galiza (receando eventuais prejuízos para o desenvolvimento económico da cidade do Porto, decorrentes da ligação ferroviária ao porto de Vigo).

Desde 3 de julho de 2013 que este serviço ferroviário internacional é assegurado pelo denominado “Comboio Celta – Porto – Vigo”, com uma duração global de 2 horas e 15 minutos. Esta linha é integralmente desenhada com bitola ibérica (1668mm), quer nos 97km de traçado desenvolvido em território Português, quer nos 46km de traçado em território Espanhol. No entanto, o serviço ferroviário nesta linha internacional enfrenta um considerável conjunto de constrangimentos, que prejudicam a sua futura viabilidade técnico-económica (especialmente no contexto da aprovação do Plano Nacional Ferroviário – Resolução do Conselho de Ministros n.º 77/2025, que prevê a construção de uma linha de alta velocidade entre o Porto e Vigo até 2032):

Tensões da catenária – A diferença de tensões entre as catenárias das redes ferroviárias em Portugal (25kV em corrente alternada) e Espanha (3kV em corrente contínua), dificultam a interoperabilidade das duas redes. Para ultrapassar esta limitação, a CP e a RENFE recorreram a automotoras da série UTD 592 (material circulante “obsoleto”, movido a diesel, que foi alugado à RENFE).

Sistema de Comunicações e Sinalização – Não há um sistema padronizado de comunicações e sinalização da rede ferroviária da Península Ibérica. Em Portugal vigora de forma generalizada o sistema de sinalização CONVEL (Controlo Automático de Velocidade). Em Espanha, o principal sistema adotado é o Sistema Europeu de Controlo Ferroviário (ERTMS/ETCS). Atualmente, está em desenvolvimento em Portugal um módulo de transmissão específico, que permite a circulação de comboios equipados com ETCS em linhas com sistemas CONVEL (ex. Em julho de 2025 foi apresentado no Poceirão um Módulo de Transmissão Específico que permitirá que material circulante moderno, equipado com ETCS, possa circular por linhas que apenas estão equipadas com o CONVEL), mas essa solução apenas está equacionada para novas linhas.

Limitações de Velocidade na Linha do Minho – A Linha do Minho apresenta um conjunto de constrangimentos à velocidade de circulação (Troço Porto -Nine tem limitação de velocidade a 100km/h, a ponte Eiffel limita a velocidade de circulação de comboios com locomotiva a 20km/h (60km/h para autopropulsados – automotoras) e a ponte de Valença, sobre o rio Minho, tem limitação de velocidade de 10km/h para o mesmo tipo de comboios.

Em 2013, na ausência de respostas dos poderes centrais e regionais a estes constrangimentos, que requerem investimento conjunto; numa perspetiva de desenvolvimento e aprofundamento das relações comerciais no Noroeste Peninsular; a seleção do material circulante do “Comboio Celta – Porto – Vigo” recaiu sobre automotoras UTD592 (movidas a diesel), em fim de vida útil de utilização, por serem as únicas compatíveis com o conjunto de restrições anteriormente referidas.

Apesar das limitações do material circulante, designadamente ao nível do conforto das carruagens, a procura deste serviço ferroviário internacional (Porto-Vigo) foi crescente desde 2013, tendo atingido um tráfego de 110.000 passageiros em 2022.

A obsolescência das automotoras UTD592 (ironicamente movidas a diesel, numa linha eletrificada ao longo dos seus 175km de extensão), requer crescentes custos de manutenção decorrentes do desgaste associado ao atingimento dos quilómetros programados para a vida útil destes equipamentos. Estas manutenções são realizadas em Espanha e compreende-se a dificuldade de acordo entre a RENFE e a CP, em relação à divisão dos custos das operações de manutenção, que a prazo podem levar ao abate destes equipamentos.

É neste contexto específico, profundamente marcado por um conjunto de constrangimentos da Linha do Minho e pela obsolescência do material circulante associado ao serviço ferroviário internacional do denominado “Comboio Celta”, que assistimos ao recente anúncio da implementação “temporária” de um transbordo de passageiros na Estação de Viana do Castelo, a partir de 17 de agosto de 2025 (sem data formal de retoma direta do serviço), realizado entre dois tipos diferentes de automotoras: as UTE 2240, que operam entre Porto-Campanhã e Viana do Castelo, e as UTD 592, que seguirão de Viana do Castelo até Vigo.

O anúncio deste transbordo ocorre, inexplicavelmente, no período de maior fluxo turístico anual do concelho de Viana do Castelo, por ocasião das Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia. O caráter “excecional e temporário” da medida é de duvidosa credibilidade, se atendermos aos desafios que o atual modelo de mobilidade transfronteiriça enfrenta, apesar da elevada procura de utentes neste eixo Porto-Vigo.

Para uma análise mais contextualizada deste problema, recomendo uma leitura das reportagens e notas informativas difundidas na Região Autónoma da Galiza, designadamente no jornal “Faro de Vigo” e na “TV Galicia”, que traduzem com rigor o descontentamento dos utentes deste importante serviço ferroviário transfronteiriço.

https://www.farodevigo.es/gran-vigo/2025/08/18/tren-celta-miseria-vigo-oporto-viana-transbordo-120732542.html

Na jornada inaugural de implementação do transbordo em Viana do Castelo, há já manifestações de descontentamento por parte de turistas, peregrinos, famílias e trabalhadores pelos 20 minutos de atraso associados ao transbordo de cerca de 350 pessoas, que tornam a alternativa rodoviária mais competitiva.

O jornal “Faro de Vigo” titula “La miseria del tren Celta se consuma…”, destacando que com a introdução do transbordo, se dá um passo atrás na ligação ferroviária entre a Galiza e a região Norte de Portugal.

Há reclamações relativamente ao conforto, à limitação de espaço para bicicletas e falta de conetividade com redes, para quem deseja trabalhar durante a viagem.

Em paralelo com a descrição do cenário atual, anteriormente realizada, proponho uma análise prospetiva da ligação ferroviária Porto-Vigo. Com o anúncio da construção da nova linha de alta velocidade entre o Porto e Vigo (2026/2032), a deslocação entre estas duas cidades passa a ter uma duração de uma hora. A beneficiária direta desta primeira fase é a cidade do Porto, sem qualquer benefício para os restantes utilizadores da linha do Minho (dado que o novo troço se desenvolve a jusante de Braga).

Numa segunda fase (após 2032), com a nova ligação ferroviária entre o aeroporto Francisco Sá Carneiro e a estação de Nine, essa duração passará a durar apenas 50 minutos. Nesta fase, os benefícios para Braga são evidentes, mas continuam marginais para as cidades de Viana do Castelo e Barcelos. A título de exemplo, a deslocação de Viana até ao aeroporto Francisco Sá Carneiro terá, a partir dessa data (> 2032), uma duração aproximada de uma 1h20 minutos. A deslocação de Braga ao mesmo aeroporto, terá uma duração de 50 minutos (anteriormente era de uma 1h37 minutos. A deslocação de Valença em relação ao mesmo ponto de referência será de 1h15m, quando anteriormente era de 2h39 minutos.

Com o novo traçado da linha de alta velocidade, a desenvolver no período 2026/2032, aumentará substancialmente a pressão sobre a competitividade dos comboios internacionais da linha do Minho, que sem um projeto complementar para a modernização do troço Viana do Castelo-Nine, tornará as durações das viagens a partir da estação de Viana do Castelo pouco competitivas face às alternativas, em particular no que se refere a ligações aeroportuárias (ex. ligação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro após 2032).

No contexto do Noroeste Peninsular, parece-nos evidente que Viana do Castelo é a capital de distrito mais prejudicada a curto prazo com o “transbordo” implementado no comboio “Celta”, e a médio/longo prazo com a execução da linha de alta velocidade “Porto-Braga – Ponte de Lima – Vigo”.

Para assegurar a preservação deste importante eixo ferroviário “Porto- Viana do Castelo – Vigo”, e a coesão territorial das comunidades servidas pela Linha do Minho, considero que deverão ser equacionadas as seguintes propostas

A curto e médio prazo, alguns dos constrangimentos que atualmente se colocam, poderiam ser ultrapassados com investimento em material circulante compatível com as diferentes tensões das catenárias, designadamente com a utilização de “locomotivas bi-tensão – 252” que estão em operação em Espanha, e com a implementação do módulo de transmissão específico, que permita a circulação de comboios equipados com ETCS em linhas com sistemas CONVEL.

A médio/longo prazo, considero que será necessário um projeto de ligação ferroviária de Viana do Castelo à nova linha de alta velocidade entre o Porto e Vigo (2026/2032).

Sem estas perspetivas de desenvolvimento, a mobilidade ferroviária do eixo Porto-Viana do Castelo – Vigo e a coesão territorial do Noroeste Peninsular estão fortemente ameaçadas.

ANEXOS – Apresentação do Projeto de Alta Velocidade (evidências)

 

André Lousinha